Por Danuza Leão
Já que é inevitável ter inimigos, a
coisa melhor do mundo é ter um de verdade: que te odeie com lealdade e
sinceridade – sem nenhum fingimento.
Ele é capaz de falar mal de você em
público sem ter, em momento algum, medo de que repitam o que ele disse.
E também pode te dar um tiro ou uma facada, mas sem nunca te enganar –
sempre numa boa.
Não é, positivamente, do tipo que diz
“vou te contar uma coisa, mas não repita, fica só entre nós”. Dele
você pode esperar sempre o pior: que impeça que aquele negócio que
estava planejando havia anos se realize, que diga àquela gata que está
povoando seus sonhos que você é um cafajeste, que o dinheiro que você
esbanja vem do tráfico de drogas – ou coisas ainda piores.
Sabendo do que ele é capaz, você pode
sempre se defender -o que é mais fácil do que lidar com a hipocrisia.
Como guerra é guerra, nada que ele faça de ruim poderá surpreender
-essa é a vantagem de ter um inimigo leal.
Quando se encontram num restaurante,
você já sabe que deve ficar alerta e se sentar de costas para a parede,
como fazem os malandros. Ele é capaz de seduzir sua filha menor, de
contratar alguém para roubar seus documentos e de jurar sobre a Bíblia
sagrada que viu você subornando um político. Tudo faz parte, e quanto
mais coisas ele fizer contra você, mais você aprende a se defender;
como se aprende com um inimigo assim -ah, como se aprende.
Perigosos mesmo são os pseudo-amigos,
aqueles que te tratam bem e que volta e meia fazem um comentário sobre
você – maldoso e irônico, mas não tão maldoso a ponto de chocar -,
afinal, é apenas uma brincadeira, será que você perdeu o humor?
E aquele que passou anos construindo a
imagem do bom caráter de carteirinha pode fazer você levar a vida
inteira na dúvida, sem ter coragem de encarar a verdade: que se trata
apenas de um crápula. A tal da imagem ilude muita gente, que durante
anos pensa que o personagem é defensor das boas causas, dos fracos e
oprimidos, e sempre politicamente correto – faz parte do modelo, claro.
Incapaz de encarar uma briga de frente,
ele não consegue nem ter inimigos, pois, como ser humano, não passa de
uma fraude – e de um covarde. Está sempre atrás de alguma vantagem –
alguma pequena vantagem – e frequentemente comete traições – pequenas
traições que dificilmente poderão ser comprovadas.
E se alguém ousar acusá-lo de alguma
coisa, sempre haverá alguém para defendê-lo -afinal, de uma pessoa com
um passado tão correto, só um louco ousaria dizer alguma coisa. Suas
maldades e falhas de caráter nunca são grandiosas, porque nada nele é
grandioso. Suas maldades são pequenas, porque tudo o que ele faz é
pequeno; pequeno como sua pessoa, como sua alma.
Mas, às vezes, se tem que conviver com gente assim -como fazer?
Se for seu caso, não faça nenhum tipo
de concessão. Cometa um assassinato, internamente, e esqueça de que ele
existe -mas esqueça mesmo. Mas atenção: é importante que ele saiba
que você sabe perfeitamente quem ele é.
Fique cego quando passar por ele, e se
alguém mencionar seu nome, não ouça; esqueça das mesquinharias de que é
capaz um pobre ser humano.
E valorize seus inimigos, os bons. Eles estão sempre dispostos a liquidar com você, mas sempre com a maior lealdade.
Danuza Leão é cronista e escritora
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