Escolas públicas do ensino médio fazendo rodízio entre os alunos, porque não há professores para todas as disciplinas. Simplesmente, ninguém quer dar aulas e nem pode querer, se estiver em seu juízo perfeito. No Brasil, descontada a piada, a educação é um sacerdócio porque fazemos voto de pobreza. Além disso, avaliadores do ENEM são capazes de atribuir nota 560 a uma receita de miojo colocada em uma redação. O que isso quer dizer? Quer dizer que a educação é um faz de conta; no Brasil seremos o que já somos, andando aos trancos e barrancos, enquanto a educação for tratada com cinismo e burrice. Burrice porque nem o governo, nem as elites dominantes conseguem ver a lógica ululante: sem educação não há qualificação técnica e científica e isso, no século XXI, é sinônimo de exclusão do mundo que realmente importa.
O antropólogo e
senador Darcy Ribeiro dizia que aqui os professores fingem que ensinam e
os alunos fingem que aprendem. Só faltou matá-lo por isso, como se
tivesse ofendido a santidade de nossas avós.
Mas não é a
mais pura verdade? Quais são os resultados positivos que temos para
apresentar? Claro, há os totalmente analfabetos que já foram promovidos à
honrosa posição de analfabetos funcionais e muitos serão advogados,
médicos, engenheiros – e outros tantos serão formados nas universidades
públicas. Alunos que jogam baralho no horário de aula, na UNIR e em
outras federais, indicam o que? Que Darcy Ribeiro estava errado? Nosso
futuro depende do sucesso desses profissionais que fizemos de conta para
ensinar e educar.
Nem adianta
falar do que deu certo em termos de experiências bem sucedidas em
educação no país, porque é a exceção da exceção. Então, temos de nos
concentrar na realidade – exatamente a realidade que não queremos – e no
que fazer. O que fazer? Este é o título de um livro escrito no calor da
Revolução Russa de 1917, enquanto debatiam os direitos fundamentais dos
trabalhadores e um deles, por óbvio, considerava-se a educação.
Contudo, já era a educação um direito fundamental na Revolução Francesa,
de 1789. Os revolucionários burgueses e os trabalhadores tinham essa
convicção: sem educação, a própria revolução não iria vingar. Sem que o
povo estivesse educado para entender o que se diza e o que queriam seus
líderes, o poder perderia legitimidade rapidamente por falta de coesão e
os ideais nunca chegariam às bases políticas. No mesmo período fundaram
as primeiras escolas públicas e foram lançados os livros didáticos.
Esses livros tinham por objetivo padronizar o discurso da revolução
libertária de 1789, para que um único discurso de liberdade fosse
implementado e assim estivesse igualmente controlado pelo Estado. Logo
se vê que não há lugar os bobos e ingênuos, muito menos para os
analfabetos. No entanto, séculos depois, com tantas teorias,
metodologias e didáticas revolucionárias, ainda não fizemos a lição de
casa; não cultivamos a educação como um direito fundamental, mas tão
fundamental que sem ele não há sentido sequer para falar em direito.
Você só saberá o que é direito (e não o que é “o direito”) quando for
educado.
Antes de ser
educado, na melhor das hipóteses, terá nutrido em si mesmo o sentimento
de uma injustiça praticada e o desejo de cessar ou corrigir os danos
sofridos. Mas, faltará saber o que fazer. Para saber e para fazer o que
deve ser feito é preciso ser educado. Neste caso, a educação para o
direito, como se viu na demonstração, não é só uma educação escolar.
Também é escolar, mas acima de tudo uma educação para a revelação das
injustiças que acometem a vida comum do homem médio. Trata-se, portanto,
de uma educação voltada à práxis, à transformação da realidade e isto,
por sua vez, será viável quando tivermos uma educação formal e escolar
de qualidade, com conteúdo, e depois quando soubermos o que fazer de bom
com essas informações e bagagens para exercer a vida pública. A
educação de qualidade deve nos preparar para “exercermos a consciência
na vida pública” – fora disso é um faz de conta.
Texto publicado no jornal eletrônico Gente de Opinião
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