Adeus, docência
Número cada vez maior de professores que abandonam a profissão piora o quadro de escassez de profissionais na Educação Básica e coloca em questão a capacidade de atração da sala de aula atual
Rodnei Corsini
Desvalorização da profissão e más condições de trabalho são motivos para a desistência da carreira |
Baixos salários, insatisfação no trabalho, desprestígio profissional. As condições são velhas conhecidas dos docentes, mas têm se convertido em um fenômeno que torna ainda mais preocupante a escassez de profissionais na Educação Básica: os professores têm deixado a sala de aula para se dedicar a outras áreas, como a iniciativa privada ou a docência no ensino superior. Até maio deste ano, pediram exoneração 101 professores da rede pública estadual do Mato Grosso, 63 em Sergipe, 18 em Roraima e 16 em Santa Catarina. No Rio de Janeiro, a média anual é de 350 exonerações, segundo a Secretaria de Estado da Educação, sem discernir quantas dessas são a pedido. Mas a União dos Professores Públicos no Estado diz que, apenas nos cinco primeiros meses deste ano, 580 professores abandonaram a carreira (leia mais na página 43). Para completar o quadro, a procura pelas licenciaturas como um todo segue diminuindo, e a falta de interesse pela docência provoca a escassez de profissionais especialmente em disciplinas das ciências exatas e naturais.
Motivos para a evasão
"O motivo unânime para a evasão docente é a desvalorização da profissão e as más condições de trabalho", diz a professora Romélia Mara Alves Souto, do departamento de Matemática e Estatística do programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais. Em um estudo com alunos da universidade, Romélia constatou que entre os formados de licenciatura em Matemática entre 2005 e 2010, quase dois terços trabalham como docentes - mas, destes, 45% não pretendem continuar na Educação Básica. A maioria presta concurso para instituições financeiras ou quer se tornar pequeno empresário. Uma boa parte também faz pós-graduação ou vai estudar em outra área para não seguir na docência.
"Para mim, a ferida principal disso tudo é o salário do professor. Os professores estão tendo de brigar para receber o piso", avalia. Romélia também já lecionou na Educação Básica e foi para o ensino superior, sobretudo, por questões salariais. Deu aulas de matemática durante dez anos quando, em 1996, migrou para a docência superior.
O quadro parece se repetir há mais de uma década. Em 1999, Flavinês Rebolo, atualmente professora da pós-graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande (MS), defendeu uma tese de mestrado na Faculdade de Educação da USP em que focou o período de 1990-1995 na rede estadual paulista. Ela identificou que, além dos baixos salários, os fatores que mais contribuíam para a evasão docente eram a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional. "A questão salarial é uma luta de classe dos professores, em que eles têm toda a razão, mas no grupo que entrevistei o sentimento era muito mais de inutilidade que eles viam no trabalho", lembra Flavinês. A desvalorização, pelos próprios alunos e pela comunidade, minava o ideal dos professores de que iriam contribuir para uma sociedade melhor, aponta a pesquisadora.
No princípio de tudo
"Choque de realidade" é o termo usado para esse sentimento entre os professores iniciantes, grupo em que a evasão costuma ser alta. A pedagoga Luciana França Leme se ressente da falta de pesquisas sobre a evasão docente no Brasil, mas avalia que uma das hipóteses para a desistência no começo da carreira é a exposição do professor iniciante às escolas mais vulneráveis. "Não é que o professor não tenha de ir para essas escolas, mas há uma relação entre perfil do alunado e as condições de trabalho docente."
Luciana aponta, ainda, as diferenças da evasão entre as áreas de conhecimento. Ela considera a hipótese de que os professores das áreas de exatas têm mais possibilidade de migrar para outras por conta de uma formação mais específica, que permite a aplicação dos seus conhecimentos em setores como o mercado financeiro. Já entre os licenciados em humanidades, a aplicação dos conhecimentos da graduação em outras áreas profissionais é, normalmente, mais restrita, com exceção do curso geografia, em que há maior possibilidade de os formados trabalharem em empresas de geologia.
Fabio Rodrigues exemplifica a questão. Ele sonhava com a carreira docente quando ingressou na licenciatura de matemática na USP, no final de 2010. Depois de lecionar em cursinhos e, ao longo de três semestres letivos, em estágios obrigatórios na rede estadual, já no último semestre da graduação conseguiu emprego como assistente financeiro em uma empresa de engenharia. Em 2011, migrou para a área de Tecnologia da Informação, onde segue trabalhando como analista e desenvolvedor de sistemas. "Eu já tinha conhecimento sobre desenvolvimento de sistemas porque tive algumas disciplinas da área na USP e fazia alguns cursos por curiosidade e também por hobby", diz.
Na outra ponta, Gisele Teodoro, formada em letras em 2008, migrou das aulas de inglês para o trabalho como telefonista bilíngue em uma empresa de mineração em Araxá. A desvalorização, o baixo salário e o excesso de trabalho fora da sala de aula foram os fatores para ela deixar o magistério. "Tanto o salário e os benefícios quanto a carga de trabalho bem menor são determinantes para que eu, pelo menos por enquanto, não tenha a menor pretensão de voltar para a sala de aula", diz.
fonte revista educação
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