segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A mão rigorosa que faz história na política de Mossoró

Magistrada que cassou prefeita e vice tem histórico de sobriedade, mas também de firmeza com as leis

Nos últimos dias um novo nome passou a ser mais conhecido ou, pelo menos mais comentado, no universo da política mossoroense. Não caiu de paraquedas no cenário e enredo, que se diga.
Ana Clarisse Arruda Pereira, cearense de origem, que integra a magistratura do Rio Grande do Norte, afastou um prefeito (a) do cargo pela primeira vez na história da gestão pública de Mossoró. A atingida foi a prefeita Cláudia Regina (DEM), além do seu vice – Wellington Filho (PMDB), no último dia 1º (terça-feira).
Ana Clarisse: expressão de Augusto dos Anjos
Acusação: abuso do poder econômico.
Sua decisão produzia “efeito imediato”, ou seja, “desde a ciência da parte representada” (prefeita e vice) deveria acontecer o afastamento dos réus, devido cassação por “conduta vedada”. Boa parte da imprensa aparelhada e incontáveis vozes leigas e, passionais, passaram a contestar e ironizar sua sentença, apostando que tudo seria resolvido vapt-vupt.
Este Blog que isoladamente assinalava essa determinação – era desdenhado.
Divulgava-se a certeza de que prefeita e vice eram inamovíveis. Não foi o que ocorreu.
No dia seguinte (quarta-feira, 2), Mossoró ganhou o vice-presidente da Câmara Municipal, Alex Moacir (PMDB), como prefeito provisório. Já no dia 3 (sexta-feira), foi a vez do presidente da Câmara Municipal, Francisco José Júnior (PSD), pousar na mesma cadeira.
Enquanto isso, advogados dos cassados tentavam uma decisão liminar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), para retomada dos cargos até decisão do mérito do processo em questão.
Mais adiante você vai entender todo esse lengalenga. Antes, vamos olhar para outro episódio, fora dessa celeuma paroquial mossoroense.
Dinheiro em espécie
Ana Clarisse é uma juíza de hábitos sociais sóbrios, distante de holofotes ou de tititi midiático. A toga não lhe pesa ou lhe estimula a afetações. Nem assim passa despercebida.
“Ela tem a mão pesada”, diz um advogado de velho curso no mundo forense da região.
Em 2012, titular da 35 Zona Eleitoral, Ana Clarisse transformou-se em notícia nacional ao determinar veto ao trânsito de dinheiro em espécie acima da quantia de R$ 1.500 nas cidades de Apodi, Felipe Guerra, Severiano Melo, Itaú e Rodolfo Fernandes. A região é historicamente conhecida pelo abuso da máquina pública e poder econômico para definir quem ganha e quem perde no voto.
A decisão foi publicada sábado (29 de setembro), através da Portaria nº 13/2012, com “objetivo de impedir a comercialização de votos” naquela região. A determinação vigorou até o dia da eleição, domingo, 7 de outubro.
Rosalba, Cláudia e um avião infatigável
Voltemos à cassação e afastamento da prefeita Cláudia Regina e do vice Wellington Filho:
Em Mossoró, a juíza” assumiu a 34ª Zona Eleitoral há poucos meses. Substituiu o judicante Pedro Cordeiro Júnior, que estava na titularidade durante a campanha e eleições do ano passado.
“A mão que afaga é a mesma que apedreja”, vale lembrar o poeta Augusto dos Anjos. Ana Clarisse já inocentou prefeita e vice cassados/afastados.
Em dois processos em setembro, Cláudia e Wellington saíram numa boa. Julgou que retirada de cartazes de campanha da então candidata oposicionista Larissa Rosado (PSB) – no Sítio Hipólito – e  uma gravação de mensagem da governadora Rosalba Ciarlini (DEM), veiculada pelas ruas de Mossoró durante a campanha, não ensejariam punição contra os dois.
À semana passada, não. Sua mão pesou. Prolatou sentença que ejetou Cláudia e Wellington das cadeiras de prefeito e vice.
Antes, na 33ª Zona Eleitoral, outro cearense, José Herval Sampaio Júnior, já condenara Cláudia e Wellington duas vezes, além de impor mesma punição contra Larissa Rosado, da oposição.
Avião
Além da perda do mandato, Cláudia e o vice-prefeito foram condenados a pagar R$ 30 mil de multa Unidade Fiscal de Referência (UFIR), equivalente a R$ 72 mil. A punição pecuniária atingiu ainda a governadora Rosalba Ciarlini.
A decisão da magistrada é relacionada ao processo protocolado pela coligação “Frente Popular Mossoró Mais Feliz”, que pediu a cassação da prefeita por conta dos abusos cometidos na campanha. Nos autos, é atestado que a governadora fez 56 viagens com o avião oficial do Governo do Estado, apenas no mês de setembro de 2012 – reta final da campanha eleitoral. Quase dois pousos/decolagens por dia.
Em todo o ano anterior (12 meses), Rosalba tinha usado o avião oficial em 98 pousos/decolagens no mesmo aeroporto de Mossoró.
“No caso em tela, considero que a conduta da governadora Rosalba Ciarlini é de extrema gravidade, uma vez que, de forma abusiva, utilizou-se dos recursos do Governo do Estado em benefício dos candidatos Cláudia Regina e Wellington Filho, fazendo com que sua presença nos eventos de campanha fosse constante, desequilibrando assim o pleito eleitoral em favor dos candidatos eleitos nas eleições municipais de 2012 em Mossoró”, sustentou a magistrada no arrazoado de sua sentença (veja matéria AQUI).
O protagonismo da juíza não ficou por aí, no que seria o suficiente – do ponto de vista de suas prerrogativas.
Manobra de bastidores do governismo tentaram adiar a posse do novo prefeito. A estratégia foi empurrar para Ana Clarisse um inusitado pedido de esclarecimentos sobre o óbvio ululante: “quem deveria assumir a prefeitura?”
O presidente da Câmara Municipal – Francisco José Júnior, substituto legal, estava em viagem aos Estados Unidos. Obviamente, o vice Alex Moacir  teria que ser o prefeito. Não se tratava de uma faculdade, mas uma injunção.
Alex Moacir segurou-se  para não assumir no dia 2, supostamente por “insegurança”.
Reprimenda
A juíza, interpelada pela própria Câmara, emitiu decisão tornando translúcido o que já era claro. “(…) Comporta destacar que causa estranheza tal requerimento, uma vez que, presume-se, estarem os edis preparados para o exercício de seu mister público, ou mesmo que dispõem de assessoria jurídica capaz de dirimir dúvida tão basilar do Direito Administrativo” , declarou Ana Clarisse, com uma elegante reprimenda ao desconhecimento ou à desfaçatez do Legislativo.
Alex tentou sair do foco (Foto: Blog Carlos Santos)
Um grupo de vereadores chegou a estar na sede da 34ª Zona Eleitoral, à tarde do dia 2, para tratar desse encolhe-estica. Mas o que apressou a posse de Alex Moacir, vereador governista, na prefeitura, foi outro episódio.
O vereador oposicionista Soldado Jadson, segundo-vice-presidente da Câmara, avisou que se Alex Moacir se esquiva-se de seu dever, ele – com amparo constitucional, assumiria a prefeitura.
Avisado por telefone do que rondada o intocável poder do DEM no Palácio da Resistência, Alex Moacir apareceu na própria 34ª Zona Eleitoral para ser formalizado da situação. Ao final da tarde “virou” prefeito.
Com o retorno de Francisco José Júnior da viagem, na sexta-feira (4), Mossoró passou a ter outro prefeito. Nesse ínterim, Cláudia e Wellington preferiram evitar aparição pública e qualquer pronunciamento oficial, enquanto os seus advogados tentam reversão desse quadro.
Quanto à juíza, apesar de abarrotada de processos em vara da Justiça Comum, não folgou com o barulho dessa situação. Ainda na quarta-feira presidiu normalmente sessão relativa a outra demanda eleitoral de 2012 e nesta semana deve emitir sentença em novo processo (veja AQUI).
Entretanto, é bom ser sublinhado, que pelo menos mais quatro estão conclusos para sentença nos próximos dias (veja postagem ainda hoje).
Qual será sua decisão?

do blog carlos santos

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